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quarta-feira, 3 de agosto de 2011

As Vítimas Civis da Guerra Fiscal



Na guerra fiscal travada entre os Estados brasileiros – assim chamada a prática de concessão de benefício fiscal relativo ao ICMS de forma unilateral, ou seja, sem a aquiescência dos demais Estados e Distrito Federal – os contribuintes podem ser apontados como as vítimas civis.Infelizmente, contudo, até agora muito pouco se tem olhado para tais vítimas, recordando-se que o papel de zelar pelos direitos dos contribuintes cabe ao Poder Judiciário, cujo órgão máximo é o Supremo Tribunal Federal (STF), que acumula também a função de solucionar os conflitos entre os Estados.

Em regra o Poder Judiciário não foge ao seu mister. Exemplo disso foi o pronunciamento da ministra Ellen Gracie, do STF, durante o julgamento da ação cautelar nº 2.611/MG, no sentido de não ser conferido ao Estado de destino “negar efeitos aos créditos apropriados pelos contribuintes” nas operações interestaduais, afirmando, em memorável trecho, que “não se compensam as inconstitucionalidades”.

No entanto, o órgão que em última instância deve garantir que os contribuintes não sejam vitimados pela guerra fiscal recentemente parece ter deixado civis caídos no campo de batalha.

Como foi amplamente noticiado, em 1º de junho deste ano o Supremo concluiu o julgamento de 14 ações diretas de inconstitucionalidade versando sobre a guerra fiscal. Foram declaradas inconstitucionais no aludido julgamento leis dos Estados do ES, MS, PA, PR, RJ, SP e do DF.

O contribuinte que deixou de recolher o ICMS o fez por confiar no Estado

Acontece que em meio às normas analisadas havia uma criada justamente para não penalizar os contribuintes ou ao menos amenizar os prejuízos sofridos por estes em decorrência da guerra fiscal. Trata-se da Lei nº 3.394, de 2000, instituída pelo Estado do Rio de Janeiro para disciplinar a cobrança de ICMS em decorrência da declaração de inconstitucionalidade de benefício concedido pela Lei nº 2.273, de 1994. A declaração de inconstitucionalidade em questão ocorreu em 2002, ao término do julgamento da Adinº 1.179.

O artigo 1º da lei que foi agora declarada inconstitucional (Lei nº 3.394) prevê que as empresas que usufruíam o antigo incentivo “ficam exoneradas do recolhimento de multa e de mora, relativamente ao imposto objeto do incentivo”, ao passo que seu artigo 2º permite o pagamento parcelado do débito advindo com a fruição do benefício.

Em outras palavras, a lei em comento criou mecanismo para viabilizar a cobrança de valores a título de ICMS, que haviam sido anteriormente objeto de incentivo fiscal, sem a exigência de multa, conferindo também a possibilidade de parcelar os respectivos débitos.

Com a venia dos que entendem o contrário, parece razoável a criação de tal mecanismo. Afinal, o contribuinte que deixou de recolher o ICMS com base em benefício que lhe foi concedido pelo ente tributante competente o fez em virtude da mais legítima confiança no Estado, uma vez que tal benesse era lastreada em atos normativos válidos e vigentes (leis, decretos, portarias etc).

Ora, diante de uma lei regularmente editada pelo Estado, que conduta há de se supor por parte do contribuinte, senão a de sua estrita obediência? Não é de se esperar que o contribuinte aja com desconfiança.

Antecipando situações como essa, o parágrafo único do artigo 100 do Código Tributário Nacional (CTN) prescreve que a observância das normas complementares das leis, tais como os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas, exclui a imposição de penalidades.

Isto se dá principalmente em prestígio à presunção de legitimidade que reveste os atos administrativos – inclusive aqueles que criam incentivos passíveis de posterior declaração de inconstitucionalidade – e ao princípio da segurança jurídica, estritamente relacionado à boa-fé do contribuinte que confiou nas normas editadas pelos Poderes estaduais – Legislativo e Executivo. O próprio STF já sinalizou que “a observância de normas gerais em matéria tributária (tais como o CTN) é imperativo de segurança jurídica” (RE 433.352 AgR).

Portanto, ao jogar a Lei nº 3.394/00 na vala comum dos benefícios concedidos em ambiente de guerra fiscal, o STF parece ter ignorado que tal norma buscava tão-somente garantir a cobrança do ICMS sem a penalização dos contribuintes que nada mais fizeram do que pautar sua conduta no que determinavam normas válidas.

Confiamos, por isso, que ao reavaliar esse específico caso e ao se deparar com outros que a este se assemelhem, a Corte Suprema atribuirá à matéria o tratamento merecido, velando pelos direitos dos contribuintes que justificadamente confiaram nas normas estaduais.

*Luiz Gustavo A. S. Bichara e Thiago de Mattos Marques são, respectivamente, sócio e advogado do Escritório Bichara, Barata, Costa & Rocha Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte: Valor Econômico.

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