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quinta-feira, 18 de agosto de 2011

A Química da Sonegação



A Polícia Federal (PF) e a Receita Federal realizaram ontem a Operação Alquimia, uma das maiores ações no país contra a sonegação. Na operação, as autoridades fizeram uma verdadeira devassa em um dos principais grupos do ramo de produtos químicos e termoplásticos em atuação no Brasil. Segundo a Receita, as empresas do grupo Triflex e Sasil, do empresário Paulo Sérgio Costa Pinto Cavalcanti, com sede na Bahia e atuação nacional, e um de seus braços, a Varient, que até o ano passado pertencia à Braskem - empresa da Odebrecht e da Petrobras -, teriam deixado de pagar R$1 bilhão em impostos. A dimensão do rombo levou a PF a sugerir à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional uma ação solicitando a intervenção judicial das cerca de 300 empresas ligadas ao Sasil.

Os agentes federais prenderam 23 pessoas, a maioria na Bahia, e tomaram o depoimento de outras 45. Além das prisões, o juiz Bruno Savino, da 3ª Vara Federal da subseção de Juiz de Fora (MG) - cidade onde as investigações começaram, há nove anos -, determinou o sequestro de bens de empresários e empresas envolvidas com o esquema. O prejuízo final aos cofres públicos ainda será divulgado, após a análise de documentos e computadores recolhidos ontem em 17 estados e no Distrito Federal, por meio de 192 mandados de busca e apreensão.

Entre os bens bloqueados pela Justiça estão carros de luxo, aeronaves, frotas de caminhões, imóveis, instalações industriais, dinheiro depositado em conta, uma lancha, oito jet skis e até uma ilha particular de 20 mil metros quadrados localizada na Baía de Todos os Santos, em Salvador.

Segundo a PF, a fraude ocorria da seguinte maneira: empresas de fachada abertas em nome de laranjas adquiriam produtos e insumos químicos nacionais e importados - como ácido sulfúrico, parafina, álcool etílico, entre outros produtos usados em diversos segmentos da indústria brasileira, como os de embalagens, alimentos, bebidas, mineração, automobilístico, construção civil e petróleo. As empresas de fachada não pagavam os impostos federais e estaduais devidos por causa dessas transações e revendiam os produtos às principais empresas do grupo.

Quando as firmas em nome de laranjas eram autuadas por órgão de fiscalização tributária, simplesmente decretavam falência e a impossibilidade de resolver o débito com o Fisco. Os laranjas eram pessoas de origem humilde e alguns deles também foram detidos ontem. Como a lei não permite que impostos incidam novamente sobre os produtos - para evitar a dupla tributação - eles circulavam no mercado normalmente, sem que qualquer valor fosse recolhido pelos órgãos públicos. Só entre 2005 e 2009, cerca de 30 empresas laranjas - a maioria com o mesmo endereço social - teriam movimentado cerca de R$500 milhões.

- O sequestro de bens garante que os cofres públicos sejam ressarcidos de valores que não foram pagos pelas empresas que pertencem a esse grupo, investigadas por nós desde o fim da década de 90. Este é o grande salto da operação - disse o superintendente da Receita Federal em Minas Gerais, Hermano Machado.

Apesar do bloqueio, os proprietários não serão impedidos de utilizar os bens, porque a PF entende que eles poderiam se deteriorar em caso de confisco. Se os donos forem condenados, esses itens poderão ser levados a leilão. Mas nem por isso os acusados ficarão na miséria. O grupo contava com empresas sediadas nas Ilhas Virgens Britânicas, paraíso fiscal, o que para a PF torna quase impossível a missão de resgatar eventuais bens que se encontram no exterior.

Desde 1973 a Sasil Comercial e Industrial de Petroquímicos atua na venda e distribuição de produtos químicos, resinas termoplásticas e sucroálcool. Subsidiária da holding Stahl Participações Ltda, possui filiais em 12 estados e depósitos por todo o Brasil. A compra da Varient, em 2010, fez com que a Sasil se tornasse a distribuidora oficial de diversos produtos da Braskem. As operações de venda e as relações entre as empresas também estão sendo investigadas

- A operação foi centrada em Minas Gerais porque a investigação começou aqui, a partir de uma das empresas laranjas, instalada em Juiz de Fora - disse o delegado Marcelo Freitas, coordenador da operação.

Réus responderão por vários crimes

Em apenas 11 das quase 300 empresas ligadas ao grupo, que inclui fundos de investimentos e factorings, a Receita Federal já conseguiu apurar uma dívida de R$120 milhões com o Fisco. A PF acredita que existam também débitos milionários relacionados a tributos estaduais, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Os réus responderão pelos crimes de sonegação fiscal, fraude à execução fiscal, formação de quadrilha, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro.

Os agentes da PF e os auditores da Receita passaram o dia recolhendo material nas sedes da Sasil e Triflex. Ironicamente, na fachada da Triflex Indústria e Comércio de Termoplásticos há uma placa anunciando que a empresa é incentivada pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e acrescenta: "Benefício fiscal, redução do imposto de renda".

As empresas ficam numa rua de trânsito movimentado de carretas no Porto Seco Pirajá, Região Metropolitana de Salvador. Os policiais chegaram no local no início da manhã. Armados, pularam os muros e abriram os portões para que os auditores da Receita fizessem seu trabalho de recolhimento das provas. Cinco auditores saíram por volta das 17h10m com mochilas e pastas com documentos. Eles não deram entrevista e entraram numa van onde estava colado no para-brisa o cartaz com a identificação da operação: "Receita Federal do Brasil, coordenação-geral de Pesquisa e Investigação - Operação Alquimia - Equipe BA-14". No pátio da Sasil, agentes federais e auditores entrevistavam funcionários da empresa.

Um empregado que observava a movimentação do lado de fora das empresas confirmou, pedindo para não ser identificado, que Cavalcanti é mesmo dono da ilha apreendida na Baía de Todos os Santos e que mais de 200 funcionários trabalham nas empresas do grupo. Ele disse ter ficado assustado com a operação da PF, mas que a orientação é continuar trabalhando mesmo com o dono preso.

Os funcionários que ainda não haviam chegado ao trabalho foram impedidos de entrar. Os que já estavam nas empresas foram sendo liberados aos poucos. O caminhoneiro Vladimir Antonio Borges, que viajou quatro dias do Polo Petroquímico de Triunfo, no Rio Grade do Sul, para entregar uma carga de 15 toneladas de polipropileno, foi orientado a descarregar o material somente hoje. Ele já recebeu pelo frete em Triunfo, mas calcula um prejuízo de R$1 mil, com o inconveniente, pois iria voltar para o Rio Grande do Sul ontem, com uma carga de mármore e só poderá fazê-lo hoje.

Fonte: O Globo.

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