Os Impostos Vão Aumentar
Por Stephen Kanitz*
Fico triste quando vejo líderes empresariais lutar por redução de impostos. Mal sabem que essa é uma batalha perdida, um esforço desperdiçado. O governo simplesmente não tem como reduzir suas despesas. Por exemplo, nos próximos trinta anos o número de aposentados irá dobrar, aumentando em 100% o que já é nossa maior despesa pública (vide texto Ipea nº 690). Tem mais: com o aumento da longevidade humana, o gasto com saúde pública poderá triplicar, como nos Estados Unidos, e assim por diante. Quem acha que os atuais 36% do PIB são o limite máximo de impostos está redondamente enganado. Minha estimativa é a de que nos próximos vinte anos os impostos subirão inexoravelmente para 48% do PIB, e há estimativas muito piores do que a minha por aí. E não é apenas no Brasil, isto é um fenômeno mundial.
A luta fiscal deveria ser outra. Tem muito país pagando muito mais impostos do que nós, vide a Suécia com 48%, mas o que ocorre no Brasil é que eles são cobrados de forma sufocante.
Durante a época de inflação alta, o governo começou a reduzir o prazo de pagamento dos impostos. De 120 dias para pagar o IPI, reduziu-se para dez dias. Pagamos imposto de renda sobre lucro presumido onze meses antes de saber qual foi de fato o lucro da empresa. Hoje, o INSS é pago no segundo dia do mês, antes mesmo de os funcionários receberem seus salários. Oimposto sobre vendas, o IVC, se transformou no ICMS – basta a mercadoria “circular” para ter imposto devido. Em vez de antecipar impostos para que não fossem corroídos pela inflação, o correto teria sido manter os prazos e corrigir os impostos por um índice de inflação apropriado.
Infelizmente, muitos impostos no Brasil são idealizados por acadêmicos que nunca trabalharam numa empresa e não têm nenhum senso prático. Antecipar impostos de cinco a quinze dias, numa economia em que o ciclo de produção do minério até o carro pronto chega a superar seis meses, em que as empresas vendem em média com prazo de sessenta a noventa dias, é antiprodutivo e antieconômico. É um tiro no pé do próprio governo. Hoje, as empresas e a população pagam imposto antecipadamente. Empresas pagam imposto muito antes de ter um produto final, pagam imposto muito antes de receber a grana do cliente. Varejo que financia em seis meses sem juros paga imposto no mês seguinte, mesmo antes de receber. Pagamos até mais do que o devido e aí torcemos para ser restituídos um ano e meio depois.
Pagar imposto adiantado significa que as empresas têm de se endividar para poder pagá-lo, ou perder precioso capital de giro, o que é um desastre. Além de ser inconstitucional, porque fere o princípio da capacidade contributiva, abrigado no artigo 145, parágrafo 1º, da Constituição Federal. Em vez de as empresas estarem financiando a produção ou a cadeia produtiva, elas estão financiando o governo. O capital de giro das empresas antecipado é inúmeras vezes superior ao que o BNDES devolve em termos de empréstimos, um contra-senso. No Brasil acontece o contrário do que ocorre em outros países, que têm impostos somente sobre o consumo final e dão 360 dias ou mais de prazo, gerando caixa para as empresas e reduzindo sua necessidade de financiamento, o que aumenta sua saúde financeira.
Sem capital de giro suficiente, as empresas no Brasil são vulneráveis a qualquer crise internacional, não conseguem financiar a clientela, e assim por diante. Por sinal, esse foi mais um erro dos autores do Plano Real: acabaram com a inflação, mas se esqueceram de devolver o capital de giro tomado pelo governo durante o período inflacionário, estendendo os prazos dos impostos para seus valores originais. Essa, sim, seria uma luta possível de ser ganha. Teríamos menos falências de empresas, mais crescimento, mais arrecadação, mais pagamentos em dia, mais estabilidade, enfim, tudo o que queremos. Nossos líderes empresariais estariam simplesmente pedindo o óbvio, que as empresas paguem seus impostos depois de o produto final ser produzido e de o dinheiro ser recebido.
Com o superávit do ministro Palocci, temos uma janela de oportunidade. O governo tem agora reservas para financiar esse aumento de prazo sem atrasar o pagamento de funcionários públicos. Aumentar prazos seria impossível anos atrás, porque não haveria como o governo ficar um mês sem receber impostos.
Mesmo com este superávit, teríamos que estender prazos de forma comedida. Minha proposta seria estender os prazos começando primeiro pelos estados mais pobres do Nordeste. Primeiro, digamos no Piauí, no segundo mês Maranhão, e ao longo de 22 meses estaríamos paulatinamente estendendo os prazos para os estados mais ricos.
No segundo ano, poderíamos estender os prazos de um mês para dois meses, repetindo o mesmo procedimento, incentivando algo que nunca foi feito. Devolver a competitividade justamente aos bons pagadores. Empresas que pagam impostos estão em dupla desvantagem. Além de pagar impostos, precisam financiar o governo e não a sua produção, e tem de pagar antecipadamente.
Precisamos ter uma visão mais administrativa e menos jurídica na hora de cobrar impostos, precisamos lutar para compatibilizar imposto com o “fluxo de caixa”, e não com o “fato gerador”.
“Circulação de Mercadoria” é um fato gerador anacrônico feito por quem não tem conhecimento de como as empresas operam no mundo todo. “Recebimento da Venda pelo Cliente”, seria um enorme avanço jurídico-administrativo na forma de se criar impostos.
Editora Abril, Revista Veja, edição 1894, ano 38, nº 9, 2 de março de 2005, página 19.
Fonte: www.kanitz.com.
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