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terça-feira, 6 de outubro de 2015

A Academia Tropical: Uma Crítica ao Produtivismo Acadêmico


No último mês de julho foi publicada uma reportagem na revista Carta Capital (apesar de eu não gostar da revista) que, mais uma vez, evidencia algumas preocupações que tenho destacado há algum tempo. No modelo atual de "produtivismo" acadêmico, naturalmente o ser humano se adéqua ao sistema e aprende a sobreviver com ele. Apesar de não concordar completamente com o texto, ele faz importantes observações. Abaixo está a reportagem completa.

A Academia Tropical

O campo científico da Administração cresceu vigorosamente nas duas últimas décadas. Há hoje, no Brasil, 78 programas de pós-graduação para formação de mestres e doutores. Esses programas contam com cerca de 1,2 mil professores e produzem por ano quase 1,4 mil dissertações de mestrado e mais de 200 teses de doutorado. Anualmente, mais de 4 mil trabalhos são apresentados em duas dúzias de eventos acadêmicos, geralmente em aprazíveis cidades litorâneas e bucólicas estâncias nas montanhas. O campo conta cerca de 80 periódicos científicos, os quais somados publicam, aproximadamente, 2 mil artigos por ano. Informação relevante: parte considerável do sistema é bancada por recursos públicos.

Dado que a Administração é uma ciência aplicada, supõe-se que o dinheiro investido seja utilizado de forma honesta e eficiente para ajudar o País a superar sua vexatória incompetência gerencial. Mas a qualidade e o impacto social da produção acadêmica da área são decepcionantes. As reflexões revelam fraquezas metodológicas, baixa capacidade de construção de teorias e afastamento da realidade brasileira.

Em uma tese de doutorado defendida em junho na FGV-Eaesp, sob a orientação do colega Rafael Alcadipani, Paulo Marcelo Ferraresi Pegino analisou com lupa crítica nosso estranho modo de produzir ciência. O pesquisador aferiu a produção de 168 pesquisadores, bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), supostamente a nata da área de Administração. Os resultados são preocupantes.

Primeiro, sobra quantidade e falta qualidade. No período analisado por Pegino, cada pesquisador publicou em média um artigo por trimestre. O mais produtivo atingiu a impressionante marca de dois por mês. Por outro lado, os pesquisadores levam em média dez anos para publicar em periódico de alta qualidade.

Segundo, emergiu da pesquisa de campo uma prática heterodoxa de divisão do trabalho: os mais jovens (alunos de mestrados e doutorados) pesquisam e escrevem e os mais velhos (professores doutores), assinam. No período analisado, dois terços da produção científica dos pesquisadores foram gerados por orientados. Os orientadores aparecem como primeiros autores apenas em 16% dos trabalhos. Em suma, os textos científicos são produto de uma linha de montagem voltada para a geração em massa de artigos de baixo impacto e qualidade duvidosa.

As entrevistas realizadas por Pegino com pesquisadores e alunos de doutorados revelam o funcionamento da máquina. As diretrizes de produção vêm de Brasília e são desdobradas em cada unidade industrial. Nas fábricas, os capatazes põem seus servos a trabalhar. Trechos das entrevistas revelam uma dura realidade: a pressão permanente por produção e a reação de professores e estudantes. O mercado é muito competitivo e pouco seletivo, mais importa a quantidade que a qualidade. Os mais velhos respondem como podem ao sistema, frequentemente empregando artifícios criativos para atender às metas de produção. Os mais jovens se submetem. Quem não produz é condenado ao desterro. Alguns pesquisadores se esmeram na adaptação, tirando o máximo rendimento de suas fábricas e de seus servos. Outros, sabe-se bem, se refugiam na nostalgia de tempos passados e empregam sofisticada retórica para defender sua zona de conforto. Aqui e acolá, surgem casos exóticos: alunos que parecem fazer trabalho de ghost-writer e doutorandos que orientam mestrandos.

A tentativa de transformar a lerda e improdutiva academia tropical em máquina do conhecimento parece ter gerado uma linha de montagem cara e anacrônica, comandada (segundo palavras dos entrevistados de Pegino) por pseudopesquisadores, orientadores fantasmas, picaretas, primas-donas e cafetões acadêmicos. Um dos pesquisadores ouvidos criticou a fixação dos colegas com o acúmulo quantitativo de publicações e a dificuldade para veicular artigos em periódicos de alta qualidade: “(É) igual ao carnaval de Salvador: o cara está muito mais preocupado em quantas ele esteve [...] do que com a qualidade da mulherada que ele pegou, entendeu? [...] só que é o seguinte, meu amigo, pra pegar baranga é um minuto de conversa, pra pegar gata tem de conversar, tem de levar”. Bonito, não? Sem comentários.

Fonte: Carta Capital.

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